Neto de italianos, a avó foi empregada doméstica. Caio Zanardo foi o primeiro da família a fazer faculdade. Um ano antes de começar o curso de Engenharia Florestal na Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq) da Universidade de São Paulo (USP), teve a oportunidade de viver um tempo nos Estados Unidos, na casa de um tio. Fora do Brasil, deparou-se com um mundo totalmente aberto, o que o levou a pensar no que fazer da vida. As questões relacionadas à terra e à sustentabilidade foram ganhando espaço, para o azar das outras engenharias. “Alguém que nasceu no Cambuci, ao lado da Praça da Sé, se encantou com o campo”, lembra. Há 21 anos no grupo que controla a Veracel, quatro anos à frente da empresa como CEO, Caio Zanardo tem objetivos muito claros: ajudar a atividade florestal a atingir todo o seu potencial e fazer com que isso se converta em desenvolvimento. Quem é Caio Zanardo está há 21 anos na Veracel, onde entrou como trainee, quando a empresa ainda fazia parte da Votorantim. Antes, era diretor florestal na Suzano S.A. Graduado em Engenharia Florestal pela Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq) da Universidade de São Paulo, em 2003, possui MBA em Gestão Empresarial pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) e cursou Advanced Strategy Management no International Institute for Management Development (IMD) Business School, em Lausanne, na Suíça. Como está sendo o desafio de comandar a Veracel? Não é clichê, mas é o melhor momento da minha vida. Sempre trabalhei com bastante complexidade, mas pegar um processo que vai desde a mudinha, na área florestal, até a celulose no porto, sempre olhando também para as pessoas, suprimento, meio ambiente, responsabilidade social, jurídico, relacionamento institucional… O que eu vejo é que eu tenho a possibilidade de literalmente transformar a vida das pessoas. Tem um legado que eu quero deixar na Veracel, de uma organização mais ágil e com capacidade para tomar decisões. O mundo está cada vez mais incerto, a gente não sabe o que vai acontecer, então, se as pessoas têm a capacidade de parar e tomar as suas decisões, a empresa se torna mais resiliente. Como foi a sua chegada? Eu cheguei na Veracel um mês antes da Omicron (variante da covid-19), então não podia ter conexão com as pessoas, era tudo virtual. Foi o momento de chegar, assumir uma presidência, conhecia os diretores, mas eu não podia encontrar com as pessoas, não tinha condições de ir na fábrica. Como assumir sem sentir a fábrica? Era tudo muito fechado, com muitos protocolos, todo mundo isolado. Você precisa se reinventar para criar conexões. É preciso ter muita confiança dos dois lados da relação, não é? Muita confiança mesmo. Eu pedi ao pessoal que me indicassem 10 pessoas de cada área, que eram as mais conhecidas na empresa. Queria aqueles que todo mundo conhece. Eu fazia um café com o presidente virtual, com uma hora de bate-papo. Era para a gente se conhecer mesmo. Quando você está no ambiente da fábrica, você conversa o tempo inteiro, eu não tinha isso, foi algo que precisou ser provocado, marcado, agendado. A gente mandou fazer canequinhas para o pessoal e mandamos junto com o café para podermos tomar café juntos e nos conhecer. Foi o modo como eu consegui chegar numa empresa do tamanho da Veracel naquelas circunstâncias. Poucas atividades têm uma pegada de sustentabilidade tão grande quanto a florestal, mas quem olha de fora acaba tendo uma percepção muito enviesada e ideias equivocadas. Por que essa imagem não bate com a realidade? Eu acho que esta imagem vem mudando. Vou trazer duas perspectivas. Uma delas é que o setor foi muito prudente na década de 70 de, antes de falar o que fazia, embasar todo o seu manejo em tecnologia. Estamos falando de uma cultura que demora 7 anos para crescer. Você precisa de pelo menos três ciclos, estatisticamente, para falar com propriedade sobre o setor. Só a partir dos anos 90 e 2000, a gente passou a ter condições de falar sobre questões como o impacto do eucalipto no solo. Hoje, com as novas tecnologias, a gente tem muita tranquilidade para apresentar os resultados. Só que não é fácil apresentar resultados muito técnicos para quem não é da área, então tem o desafio da comunicação. A tecnologia vem nos ajudando a tornar os manejos cada vez melhores e mais eficientes. Eu acho que tem um conceito mental em relação à madeira, que as pessoas associam ao desmatamento. O nosso modelo de negócio é completamente oposto. Qualquer fábrica no nosso setor demanda um investimento de R$ 25 bilhões e o maior custo que nós temos hoje é com transporte. A madeira mais barata é a que está ao lado da fábrica. Qual seria o meu interesse em ter a minha área próxima com baixa sustentabilidade? Como vocês trabalham a questão da produtividade? Nosso crescimento florestal hoje está na casa dos 40 metros cúbicos (m³) por hectare ao ano. Uma floresta natural cresce entre dois e três m³ por ano. Isso mostra a quantidade de área que a gente evita ocupar e usar madeira. Veja a diferença e importância da produtividade. Ela é fundamental, para painéis à base de madeira e para todos os outros usos do material. Com certeza, o custo de preparo do solo está ligado à sua eficiência. Você prepara por hectare, mas colhe por toneladas. Essa é a nossa principal variável de busca por eficiência. Enfrentar esses desafios requer uma mão de obra muito bem preparada. Como vocês preparam os trabalhadores? Aqui a gente gosta muito do conceito de excelência operacional. Aqui estou falando de preparação, execução e rotina. A rotina é muito importante, fazer aquilo que a gente acredita ser o melhor todos os dias, da melhor maneira possível. Vamos fazer uma analogia com a alta cozinha, que além de bons ingredientes, depende do preparo. É capacitação da mão de obra. Eu vejo uma lacuna, que é uma baita oportunidade, na área de formação técnica. A gente percebe pessoas com formações técnicas ganhando tão bem quanto profissionais graduados, dadas as oportunidades. Eu preciso que o tratorista do campo compreenda todas as variáveis, como água, chuva, etc, para aplicar os insumos de forma correta. É muito procedimento. A gente treina e capacita para garantir que as coisas aconteçam adequadamente, tanto na floresta, quanto na fábrica, que é uma unidade química. Como a gente faz para atrair e manter os profissionais da geração Z motivados? Propósito. Se você tem um bom propósito hoje, a pessoa vem. Temos um caso concreto de uma profissional que trocou um grande banco em São Paulo para morar em Santa Cruz de Cabrália e trabalhar conosco na área de riscos. No lugar de trabalhar com riscos bancários, entendeu o propósito da Veracel, o que a gente faz, a transformação territorial que está acontecendo, refletiu e decidiu trabalhar numa empresa como a nossa. É outra mentalidade, eu sou da geração X, mas acho que pela primeira vez, temos babyboomers, X, Y, Z, milleniuns trabalhando juntos. É uma transformação e o desafio é aprender a conviver com todo mundo. E não tem uma geração que está certa. A gente precisa tirar as polaridades e trazer todo mundo para conversar. O Z não é perfeito, mas tem muita coisa para ensinar. O babyboom tem uma garra gigantesca para trabalhar, são tratores, que podem passar por cima de pessoas. Essa diversidade é o que a gente precisa trabalhar melhor. Estamos com um programa agora para lançar que é o de uma mentoria reversa, fazer as pessoas mais antigas conversarem com os mais novos para entender eles. Qual é o impacto social da atuação de vocês? Saiu um estudo recente da Abaf, mostrando que o setor florestal responde por 6% do PIB (Produto Interno Bruto) da Bahia, está em terceiro ou quarto nas exportações baianas. Dividindo isso por três fábricas, digamos que a Veracel represente em torno de 1,5%, em 11 municípios, abrangendo uma população em torno de 500 mil pessoas. Este é o número que eu tenho na cabeça. Não existe nenhum shopping center que vai para a frente com uma única loja âncora. A Veracel é uma âncora, mas tem outras que também são. O governo é, as prefeituras são. A gente tem buscado trazer os terceiros, os governos, a sociedade e o Judiciário para criar sinergias e alavancas para o desenvolvimento do território em que a gente está inserido. Estamos sempre perguntando como podemos ajudar a desenvolver a região e uma das respostas que tivemos foi com uma ponte que fizemos. Identificamos que era um risco para nós que 40% da nossa madeira estava ao norte do Rio Jequitinhonha e tinha apenas uma ponte muito antiga em Itapebi para fazer o transporte. Se ela caísse, teríamos um problema de tráfego e a gente iria ter que fazer uma volta de 230 km. Em parceria com o estado, nós fizemos uma ponte nova para mitigar este risco. Está nos ajudando, mas está ajudando todo mundo. A gente tem um trabalho muito forte com a agricultura familiar e fizemos um evento para conectar os produtores diretamente com os restaurantes, através do Sebrae. Os restaurantes não sabiam que isso existia, mas mostramos que podem comprar farinha, colocar no cardápio e sinalizar que vem de um produtor que é da região. Não existe empresa de sucesso em um território fracassado, já dizia Renato Carneiro, um diretor nosso já aposentado. Nós temos um programa de suprimentos sustentáveis. Já tínhamos antes da pandemia e fortalecemos depois. Estamos aumentando 5% ao ano o desenvolvimento dos nossos fornecedores e não é só ir lá e dar dinheiro, é entender o modelo de negócios dele. Temos uma fornecedora que a gente comprava em larga escala, pensando em fazê-la baixar os preços. A gente adquiria uma capa de sabre usada na colheita e pedíamos 100 de uma vez. Seis meses depois, outro pedido. Ela nos procurou e perguntou se não dava para pedirmos 20 todos os meses, porque assim ela trabalharia aos poucos e teria o dinheiro dela todos os meses, pelo mesmo preço. Entendeu como é importante ter visões diferentes? Acabamos falando sobre diversos aspectos do ESG sem mencionar diretamente a agenda. Qual é o futuro destas sigla tão falada nos últimos anos? Eu vejo um futuro muito promissor. Se olharmos para o mundo há 20 anos e compararmos com o presente, veremos o quanto avançamos. Eu acho que existem movimentos pendulares, em alguns momentos se passa um pouco do tom, mas isso é algo que se corrige com o tempo. A Veracel é signatária de vários compromissos e eu participo de um fórum que reúne CEOs para tratar da agenda LGBTPQIA+. Participei de uma reunião no mês passado, com mais ou menos 160 empresas e 40 deixaram de assinar o compromisso, enquanto 10 novas entraram. A maioria está fazendo. O que a gente percebeu foi que aquelas que estavam só falando e não se comprometiam com o ESG de fato, perceberam a oportunidade de cair fora. No nosso caso, é o contrário, passamos pela maior crise mundial da história do setor florestal em 2008 e em nenhum momento abrimos mão dos nossos compromissos, ou adotamos políticas ambientais errôneas, ou deixamos de fazer compliance. Quando a gente olha essa questão com seriedade, o mundo pode caminhar um pouco para cá ou para lá, mas não vai alterar a trajetória. Vamos seguir a agenda porque isso tem valor. A Bahia tem três grandes empresas de celulose atuando há muito tempo. Neste período o mercado se expandiu em outros estados e, embora o setor tenha feito investimentos significativos em expansão, continuamos apenas com as três. Por que? Eu acho que há um aspecto situacional, em 2008, nós perdemos uma janela em função de um cenário global. Depois daquele momento, outros estados acabaram se colocando na frente. Mas eu vejo a Bahia com um potencial muito grande. Tem um estudo para ser lançado pela Abaf (Associação Baiana das Empresas de Base Florestal) junto com o governo estadual que mostra este potencial. Queremos entender melhor as regiões do estado e como contribuir com o desenvolvimento. A capacidade das fábricas aumentou muito nos últimos anos, isso coloca a responsabilidade de estudar ainda mais os melhores locais para investimentos, porque há uma questão de infraestrutura, de área e de escoamento. Este trabalho vai atualizar uma informação que estava muito forte lá atrás, mas ficou hibernada por um certo tempo. A Bahia tem uma possibilidade gigantesca para crescer nesta cadeia. Os atores estão postos.

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