PF sugere a Kinoshita ação na empresa de mulher de fiscal da Fazenda usada para ‘esquentar’ propina

PUBLICIDADE

pf-sugere-a-kinoshita-acao-na-empresa-de-mulher-de-fiscal-da-fazenda-usada-para-‘esquentar’-propina
Trecho de ofício da PF à Secretaria da Fazenda.
Trecho de ofício da PF à Secretaria da Fazenda.

A Polícia Federal consultou o secretário da Fazenda e Planejamento do Estado de São Paulo, Samuel Kinoshita, sobre a possibilidade de promover uma ‘ação de fiscalização’ na empresa da mulher do auditor fiscal de Rendas Ricardo Catunda que teria sido usada para ‘esquentar’ propinas por ele supostamente recebidas. A PF indiciou Catunda por corrupção. Ele teria vazado informações secretas a empresários que são alvos de procedimentos tributários e também alertado comerciantes sobre operações do Fisco.

Ao Estadão, o advogado Luciano Santoro, que representa o fiscal, informou que Ricardo Catunda ‘nega veementemente a violação de sigilo funcional e/ou prática de qualquer ato de corrupção’.

A Secretaria da Fazenda informou que o ofício da PF foi recebido pelo protocolo do setor de apoio da pasta em 24 de abril e foi enviado pelo chefe de gabinete do secretário às ‘áreas responsáveis a fim de tratar da matéria, especificamente a Subsecretaria de Receita Estadual e a Corregedoria da Fiscalização Tributária’.

A Fazenda ressaltou que, ainda em julho de 2024, foi decretada ‘ordem de afastamento do servidor’ e bloqueado os acessos dele no Sistema Informatizado de Administração de Pessoal (SIAP) (leia abaixo a íntegra da nota da Secretaria)

O documento da PF a Samuel Kinoshita descreve ponto a ponto o que pesa sobre a conduta do fiscal. Uma suspeita é que ele e a empresa de Lúcia Catunda, sua mulher, com capital de R$ 1 mil, movimentaram R$ 6,4 milhões – Catunda recebe salário de R$ 34 mil na Fazenda. Os investigadores acreditam que o fiscal usa a própria mulher e a empresa dela como ‘laranjas’

“É possível, a partir dos fatos descortinados no inquérito policial, realizar alguma ação de fiscalização na Lúcia Helena Ribeiro A. Catunda Guedes, empresa utilizada pelo auditor fiscal Ricardo Catunda para suas condutas de lavagem de dinheiro, emitindo notas ideologicamente falsas para ‘esquentar’ dinheiro recebido como propina?’, indaga a PF no ofício a Kinoshita.

São seis perguntas endereçadas ao secretário da Fazenda do governo Tarcísio de Freitas ‘para instruir os autos do inquérito’.

“É permitido ao auditor fiscal da Sefaz prestar serviço de consultoria e orientação a contribuintes, utilizando-se de seus telefones celulares pessoais e do aplicativo WhatsApp?

“É permitido ao auditor fiscal efetuar consultas nos bancos de dados da Sefaz sobre dados fiscais de contribuintes, informando-os para terceiros, que não representam essas empresas?”

“Há algum documento ou declaração firmada pelo auditor fiscal que o obrigue a guardar sigilo das informações fiscais que obtém conhecimento, acessando os sistemas da Sefaz?”

“Apesar do transcurso do tempo, é possível verificar e confirmar algumas das informações sobre o aviso prévio sobre fiscalizações e acessos aos sistemas feitos por Ricardo Catunda? Explique.”

“Mensagens encontradas no celular apreendido do auditor fiscal Ricardo Catunda do Nascimento Guedes configuram infração aos deveres éticos de um auditor fiscal da Receita do Estado de São Paulo? Explique.”

A última indagação se refere à possibilidade de uma ação de fiscalização na empresa da mulher do fiscal.

Afastado

O auditor fiscal de Rendas foi afastado das funções por ordem judicial. A Corregedoria da Secretaria da Fazenda já abriu um procedimento disciplinar para investigar Catunda.

Ao analisar as contas do fiscal, a PF descobriu que R$ 491.271,26 foram depositados pelo próprio auditor ou pelo sogro dele. Outra quantia, R$ 186.971,26, não tem origem identificada. O dinheiro entrou em 67 depósitos fracionados em quantias de R$ 1mil a R$ 2 mil, o que, para os investigadores, sugere uma estratégia de Catunda para driblar o radar do Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras).

O celular dele foi apreendido na investigação. Os federais resgataram mensagens em que o fiscal passa dados das contas de sua mulher para supostamente receber propinas de empresários. “É importante destacar que o investigado recebe valores em espécie em encontros pessoais, sendo possível que tais quantias não sejam depositadas em sua conta bancária posteriormente”, assinala a PF em relatório ao qual o Estadão teve acesso.

A investigação é conduzida pela Delegacia do Meio Ambiente da PF em São Paulo. No ano passado, os federais abriram a Operação Barão de Itararé, contra fraudes em combustíveis e corrupção na concessão de licença para funcionamento de postos.

No ofício ao secretário Samuel Kinoshita, a PF elenca tudo o que foi apurado até aqui sobre a conduta de Catunda. “O auditor fiscal é investigado pelas condutas de corrupção passiva e violação de sigilo funcional.” O documento cita, pelo menos, dez empresas às voltas com a Receita estadual.

Em 22 de agosto de 2022, ele encaminhou para o celular do contador Gilberto Lauriano Júnior informações constantes dos bancos de dados da secretaria da Fazenda, a respeito de uma empresa de importação e distribuição. Já no dia 6 de setembro, ele informou ao contador que ‘já havia resolvido o problema’. A reportagem busca contato com Lauriano. O espaço está aberto.

Em 13 de dezembro daquele ano, Catunda encaminhou a Lauriano fotografia do monitor de seu computador, aberta em sistema oficial da Secretaria da Fazenda, com a situação de um centro automotivo, onde constava o status de ‘deferido pelo PF/Aguardando RFB’.

Em outro trecho da petição, a PF afirma que ‘frequentemente Ricardo Catunda orienta o contador por meio do aplicativo WhatsApp, bem como realiza consulta sobre andamentos de processos e como ele deve agir, inclusive em processos administrativos sob a responsabilidade de outros servidores’.

O documento diz, ainda, que o fiscal de Rendas ‘recebe pagamentos pelos serviços de ‘consultoria’ que presta ao contador Lauriano, como, por exemplo, trinta mil reais em novembro de 2023 e vinte mil reais em dezembro de 2023, por meio de transferências e/ou pagamentos à empresa Lúcia Helena Ribeiro A. Catunda Guedes, pertencente à esposa do auditor fiscal, ou diretamente para a conta pessoa física dela.”

Em 24 de janeiro de 2024, Catunda foi consultado se poderia ajudar em um processo administrativo que iria ser aberto referente a uma empresa de reciclagem de metais. Ele marca um encontro pessoal com o proprietário da empresa e o contador.

Três meses depois, em 20 de março, o contador enviou ao fiscal uma Notificação e uma Ordem de Serviço Fiscal (OSF) relacionadas a um laboratório e pediu ‘ajuda para esse cliente’. “Se trata de situação complicada, mas vou ver o que posso fazer”, respondeu Catunda.

Em maio, dia 8, o contador passou a Catunda uma imagem com o número de um processo e diz que ‘precisa ativar essa ‘IE’, porque um fiscal teria passado no local e resolvido suspender a empresa. Segundo a PF, Catunda respondeu que ‘iria ver para quem foi esse expediente’. “Exemplo de diálogo que ocorre com frequência entre o auditor Ricardo e o contador”, afirmam os investigadores.

Ainda no ofício a Kinoshita, a PF informa que em 14 de maio de 2024 o fiscal investigado ‘retoma o assunto tratado em 8 de maio e avisa o contador que o caso ainda estaria no NSE sem ser distribuído, mas que o relatório da diligência está bem detalhado e desfavorável ‘. Catunda sugere um encontro ‘para que ele possa mostrar o relatório pessoalmente e conversar’.

Os investigadores informam que o fiscal recebeu R$ 40 mil de uma metalurgia e comércio de fios ‘em troca do fornecimento de informações sigilosas de fiscalizações e dos bancos de dados da Sefaz, praticando ainda atos de lavagem de dinheiro, por meio de triangulação na emissão de notas fiscais ideologicamente falsas, em junho de 2024, utilizando as empresas GLJ Serviços Administrativos e Lucia Helena Riberto A, C. Guedes’.

A PF relata que em 6 de julho de 2022, o fiscal auxiliou outro contador, Roberto Luiz da Fonseca, a resolver ‘um problema’ com uma distribuidora de combustíveis, ‘agindo como intermediador nas conversas entre um auditor e a empresa, patrocinando interesse privado perante a administração pública’. Em outra ocasião, em setembro de 2022, Catunda teria agido a favor de um posto de combustíveis na Guarapiranga, zona sul da capital paulista. “Tive ajuda do coordenador.”

Em 21 e 24 de outubro de 2022, Catunda se comprometeu a ajudar o contador Fonseca em ‘uma situação’ com uma distribuidora e com outro auditor fiscal, segundo a PF. Dias depois, em 17 de novembro, segundo registra a petição ao secretário da Fazenda, Catunda ‘cobra de Roberto Fonseca seu pagamento por ter resolvido a questão’. “Depois de tanto sufoco”, reforçou o fiscal.

O rastreamento dos passos de Catunda mostra que ele estaria agindo há muitos anos. Em 9 de outubro de 2019, um empresário perguntou a ele sobre ‘operações de fiscalização que iriam ocorrer no dia seguinte’ em uma companhia de metais. Logo, o auditor retornou e disse que ‘verificou no sistema’. Revelou ao empresário que havia uma ordem de serviço com relação à firma de metais no âmbito da Operação Forasteiro, e que seriam inspecionados créditos inidôneos de outros Estados.

O mesmo empresário reclamou em 17 de março de 2020 reclamou do resultado de uma fiscalização. O fiscal respondeu que ‘desta vez nada poderá fazer’ porque seu colega ‘é de poucos amigos’. “Ou seja, honesto”, concluiu a PF.

Ainda, o empresário perguntou a Catunda quanto ele cobraria para ‘levantar uma empresa’. Ele disse que iria verificar e depois marcariam uma ‘conversa pessoal’. O empresário insistiu, em abril de 2021, com um novo pedido relativo a outros dois CNPJs. “Está cada vez mais difícil”, queixou-se o fiscal, mas em seguida, encaminhou dados sigilosos dos sistemas da Fazenda.

A relação entre o empresário e o fiscal é duradoura. Mais recentemente, em março de 2024, o empresário fez quatro pagamentos mensais de R$ 10 mil cada ao fiscal, por meio de transferência bancária para a conta de Lúcia Helena, ‘demonstrando que os serviços prestados pelo auditor ao empresário continuavam a ocorrer no ano de 2024’.

COM A PALAVRA, A SECRETARIA DA FAZENDA E PLANEJAMENTO DO ESTADO DE SÃO PAULO

O ofício foi recebido pelo protocolo do setor de apoio da Secretaria da Fazenda e Planejamento (Sefaz-SP) em 24 de abril, tendo sido enviado pelo Chefe de Gabinete às áreas responsáveis a fim de tratar da matéria, especificamente a Subsecretaria de Receita Estadual e a Corregedoria da Fiscalização Tributária (Corfisp).

Importante ressaltar que, ainda em julho de 2024, a Sefaz-SP implementou a ordem de afastamento do servidor e bloqueou os acessos no Sistema Informatizado de Administração de Pessoal (SIAP). Desde então, o servidor não possui mais acesso físico às instalações da Sefaz-SP, tampouco aos sistemas informatizados e base de dados de forma remota. O servidor permanece afastado das atividades e sem acesso aos sistemas.

A Corfisp já instaurou processo administrativo disciplinar em face do servidor citado, cujas infrações apuradas podem ensejar a demissão a bem do serviço público, dentre outros procedimentos apuratórios acerca dos fatos publicados. Tais procedimentos disciplinares correm sob sigilo.

COM A PALAVRA, O ADVOGADO LUCIANO SANTORO, QUE REPRESENTA O FISCAL DE RENDAS RICARDO CATUNDA

“O cliente nega veementemente a violação de sigilo funcional e/ou a prática de qualquer ato de corrupção. Infelizmente, se constata que a análise da polícia é praticamente toda baseada em subjetivismo. Inclusive chega a misturar mensagens de anos diferentes como se fizessem parte de um mesmo episódio, o que gera uma narrativa distorcida dos fatos.”

 

Mais recentes

PUBLICIDADE

Rolar para cima
×

Converse com nosso time no WhatsAPP

× Estamos Online