O Brasil ficou praticamente estagnado no número de matrículas no ensino infantil (creche e pré-escola) de 2023 para 2024, segundo dados do Censo Escolar divulgados nesta quarta-feira, 9. O estudo é realizado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas (Inep), órgão do Ministério da Educação (MEC). Em 2023, havia 9,461 milhões de alunos nessa etapa; no ano seguinte, o total passou para 9,491 milhões.
O crescimento do número de matrículas na educação infantil desde 2014 era uma das metas do Plano Nacional da Educação (PNE) 2014-2024, e foi interrompido durante a pandemia, em 2020 e 2021. A partir de 2022, o número voltou a crescer, o que ocorreu também em 2023. Em 2024, porém, houve desaceleração desse ritmo – a alta anual foi de apenas 30 mil, somadas as matrículas da creche e da pré-escola.
A maior parte das crianças na educação infantil está no sistema público, majoritariamente na rede municipal, responsável pelos anos iniciais da educação básica. Duas em cada três crianças que frequentam creches estão matriculadas na rede pública.
Os números de matrículas no ensino infantil ficaram distantes das metas do PNE 2014-2024. O documento, que serve como balizador da educação do País durante uma década, previa como objetivo ter 50% das crianças até 3 anos matriculadas na creche ou pré-escola até 2024 e 100% das crianças de 4 e 5 anos matriculadas até 2016.
- Hoje, cerca de 34,5% das crianças até 3 anos de idade estão matriculadas na creche ou na pré-escola.
- Cerca de 91% das crianças entre 4 e 5 anos estão matriculadas na creche ou na pré-escola.
- As proporções foram calculadas a partir do número de matrículas de 2024 e do total de crianças nessas faixas etárias em 2023, contabilizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua Anual.
Apenas nas creches, a primeira etapa escolar, que não é obrigatória e contempla crianças geralmente até os 3 anos de idade, as matrículas passaram de 4,122 milhões em 2023 para 4,187 milhões em 2024. Dentre as crianças matriculadas na creche, 1 em cada 3 estão em instituições privadas, o maior percentual entre toda as etapas da educação básica, destaca o diretor de Estatísticas Educacionais do Inep, Carlos Eduardo Moreno.
Já na pré-escola, obrigatória para crianças a partir de 4 anos de idade, o Censo Escolar de 2024 mostra que quantidade de matrículas registrou leve queda em relação ao ano anterior. Eram 5,338 milhões de alunos em 2023 e 5,304 em 2024.
O acesso às creches é desigual entre as camadas sociais e as regiões brasileiras. A importância dessa etapa se dá não apenas pela oportunidade destinada às crianças, mas também às mães, que, com a criança na creche, podem ir trabalhar, além de influenciar até mesmo na permanência de outros alunos na escola, já que muitas vezes irmãos mais velhos evadem para cuidar dos mais novos, afirma o ministro da Educação Camilo Santana. Na pré-escola, por sua vez, essas desigualdades reduzem.
- Enquanto na população dentro dos 20% mais ricos do país, 51% das crianças até 3 anos estão na creche (atingindo a meta), nos 20% mais pobre apenas 29% dessa faixa etária está matriculada.
- Também varia de acordo com as regiões do País: no Sudeste, o acesso à creche para crianças até 3 anos é de 45,5%, já na região Norte, de 20,9%.
- Já em relação à raça, na população branca o alcance a creches é de 41%, e entre pretos, pardos e indígenas, de 36%.
Como não foram alcançadas, as metas anteriores devem ser mantidas para o PNE 2024-2034. O governo federal enviou, no ano passado, o texto para o próximo Plano Nacional da Educação repetindo a meta de universalizar o acesso à escola de crianças de 4 a 5 anos e ampliando para 60% a meta de crianças até 3 anos matriculadas. O texto ainda não foi analisado pela Câmara de Deputados, mas deve estar entre os assuntos prioritários a serem tratados neste ano.

Uma comissão parlamentar foi criada para discutir a proposta para o novo PNE, elaborada pelo MEC a partir das contribuições de um grupo de trabalho, da sociedade, do Congresso, de Estados, municípios e conselhos de educação. O texto contém 18 objetivos educacionais e 58 metas, cada uma com um conjunto de estratégias de políticas, programas e ações para alcançar os objetivos propostos.
Estudos apontam que os primeiros anos escolares são essenciais no desenvolvimento infantil, com impactos para toda a vida. Embora na última década o Brasil tenha melhorado os indicadores de acesso ao ensino infantil – composto pela creche e pré-escola, ainda está longe da universalização de acesso nessa etapa de ensino.
A desigualdade no acesso também é um problema. Cerca de 60% das crianças na primeira infância inscritas no Cadastro Único nunca frequentaram creche ou pré-escola, segundo estudo realizado pela Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal.
Para além do ingresso, é preciso garantir a qualidade da educação nessa etapa, reforçam os especialistas. Evidências científicas apontam que o desenvolvimento cerebral tem seu ápice de aprendizagem durante a primeira infância, por isso essa fase é considerada essencial para construir habilidades que serão importantes durante toda a vida.
Na creche e na pré-escola, devem ser oferecidas experiências que as crianças muitas vezes não têm acesso em casa, como contação de histórias e atividades culturais, que promovem o enriquecimento do aprendizado e facilitam a alfabetização.
O governo federal anunciou, no ano passado, a nova Política Nacional Integrada para Primeira Infância. Uma das ações planejadas é a criar um aplicativo para estudantes da educação infantil que funcionará como caderneta digital, reunindo dados escolares de crianças até 6 anos, além de informações sobre vacinação e participação em programas sociais. Além do app, há discussões para intensificar a vacinação nas escolas e a qualificação dos conselhos tutelares.
Ensino Fundamental
O Ensino Fundamental está praticamente universalizado, com 99% das crianças e adolescentes entre 6 a 14 anos matriculadas na escola, alcançando a meta do PNE. Apesar disso, houve uma pequena redução de matrículas nos anos finais da etapa em 2024, tendência que já tinha sido registrada de 2022 para 2023.
- Em 2024, a etapa registrou 26 milhões de matrículas ao todo, levemente abaixo dos 26,1 milhões de 2023.
- Desse total, 14,5 milhões estavam nos anos iniciais (1º ao 5º ano) e 11,5 milhões nos anos finais (6º ano 9º ano) no último ano, contra 14,4 milhões e 11,6 milhões, respectivamente, no ano anterior.
Na visão de Patricia Mota Guedes, superintendente do Itaú Social, os resultados do Censo mostram a necessidade uma atenção maior, de mais investimentos, políticas e suporte para o Fundamental II. Ainda é preciso mais dados sobre repetência, reprovação e trajetória dos alunos para entender esse cenário, mas ela entende que “problema de permanência começa nos anos finais (do Fundamental), etapa que precede a adolescência”, já que metade dos estudantes chegam ao 9º ano com histórico de repetência, reprovação ou mesmo de abandono e evasão escolar.
Uma hipótese que pode justificar a queda de matrículas nessa fase, segundo Guedes, diz respeito aos desafios relacionados à recomposição das aprendizagens. “Ainda vemos os efeitos da pandemia nos estudantes que atualmente estão no 6º, 7º, 8º e 9º, porque tiveram dificuldades na consolidação dos anos iniciais do Fundamental. Eles precisavam de muito mais na fase de transição entre o 5º e o 6º. Assim, os esforços e as políticas de recomposição de aprendizagem ainda têm muito a fazer, e exigem consistência e investimento constante”, explica.
Ela também menciona o esforço de alguns Estados e municípios em estruturar políticas específicas para o Fundamental II, inclusive com revisão dos currículos. Na visão da especialista, por trás da queda das matrículas, “há uma carência de atenção para tornar os anos finais uma etapa com mais foco na aprendizagem, maior engajamento dos adolescentes, mais interesse e sentido, de modo a estimular sua permanência na escola e evitar a evasão”.